"Sim, eu reparei que a porta da casa de banho estava semiaberta. Tentei fechá-la, mas ela não encostava à ombreira... Para me despir e chegar até à banheira, tinha de atravessar esse espaço aberto através do qual tu também me podias ver... Ainda me ocorreu entrar lá para dentro de costas voltadas para a porta, mas depois, e como se fosse a coisa mais natural do mundo, virei-me, sim, de frente, completamente nua, e entrei na banheira. Ao entrar, olhei para o quarto e vi-te a olhar para mim. Foram apenas uns segundos e soube-me bem, não sei explicar porquê - talvez por vaidade, talvez porque já me sentisse íntima de ti e esse teu olhar não tivesse nada de estranho ou de maldade, talvez apenas porque eu queria que tu me visses e queria ver-te a olhar-me." (ela)
"Havia qualquer coisa em ti que me irritava e me atraía, ao mesmo tempo. Quando eras doce e querido, ou quando essa tua loucura latente ou essa tua alegria escondida vinham ao de cima, eu queria ficar ao pé de ti, porque me davas segurança e simultaneamente sentia que devia também proteger-te. Havia um conforto e uma paz ao teu lado que eu não sentia há muito.
Mas quando tu ficavas irritado e irritante, quando não querias ouvir as opiniões de ninguém e só sabias dar ordens e esperar que eu e todos à volta ficássemos esmagados pelo teu brilho e clarividência, aí eu afastava-me. Magoada contigo e irritada comigo por me deixar sentir assim magoada por ti. Eu ainda mal te conhecia!" (ela)
"Adoravas sentir e pensar que eu te tomava pelo meu guardião e protector, que a minha própria vida estava nas tuas mãos, na tua perícia ao volante e nas tuas sábias decisões! E, todavia, oh meu querido, se tu soubesses que quando eu verdadeiramente gostava de ti era quando te surpreendia com um ar de menino perdido ou contente, quando te via cansado e assustado, quando fingias saber onde estavas e nao fazias ideia, quando à noite na tenda me encostava a ti e só então tu adormecias, embora fingisses estar a dormir há muito!" (ela)
"Dormias profundamente, com a cara virada para mim e a tua mão direita pousada sobre o meu ombro. Como se fôssemos íntimos." (ela)
"Ficava-lhe a matar: toda a gente, homens e mulheres, se virava na rua à sua passagem. Acho que só aí reparei bem como ela era alta e como tinha uma maneira de andar, meio preguiçosa, meio descontraída, que ainda fazia os homens fixarem-se mais nela." (ele)
"Sentia-me tão íntimo e tão próximo dela, que tive necessidade de o sentir também fisicamente. Rocei-lhe o ombro no seu, enquanto comíamos em pé; pousei ao de leve a minha mão sobre a dela, fingindo que a estendia para a lata de atum, e fiz-lhe uma festa, aparentemente distraída, no cabelo, quando fui ao jipe buscar mais vinho branco ao garrafão. Ela nunca se deu por achada: não fugiu nem retribuiu. Mas sorriu sempre e a sua voz clara, um pouco infantil, arrastando as sílabas, e o tom de menina habituada a ser bem tratada com que pedia "dás-me lume?", ou me levavam ao engano ou à felicidade - que as duas coisas andam frequentemente confundidas." (ele)
"E, depois, falávamos sobre a vida que tínhamos deixado para trás, interrompida por estes dias fora de tudo. Ou melhor, falavas tu, porque eu não tinha vida para te contrapor.
E de vez em quando, paravas de falar e perguntavas:
- Estou a ser chato?
- Não, não: continua a falar, que te estou a ouvir.
Mas vou-te confessar: ... escondia-me atrás dos óculos escuros e ia dormindo, embalada pela tua voz... e eu sentia-me tão bem assim, protegida pelo som da tua voz...irreal me parecia toda esta felicidade que não te sei dizer!" (ela)
"A maior parte do tempo, porém, o que nós partilhávamos era o silêncio. E isso eu aprendi contigo, porque não sabia. Para mim, o silêncio era sinal de distância, de mal-estar, de desentendimento. Ao princípio, quando ficávamos calados muito tempo, eu sentia-me inquieta, desconfortável, e começava a falar só para afastar esse anjo mau que estava a passar entre nós.
Um dia tu disseste-me:
- Cláudia, não precisas de falar só porque vamos calados. A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio."
"Ficam calados porque já não têm mais nada a dizer."
- Mas tu não poupas palavras: tu escreves. Todas as noites gastas uma hora a escrever um diário nesse teu caderno...
- Escrever não é falar.
- Não? Qual é a diferença?
- É exactamente o oposto. Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer.
Anos mais tarde, já estava doente, voltei a lembrar-me dessa nossa conversa. Tinha acabado de te escrever uma carta - que nunca te cheguei a mandar e que destruí depois. E, escrevendo, poupei as coisas que gostaria de te ter dito e que gostaria que tivesses ouvido. Cheguei quase a convencer-me de que bastava escrever-te para tu me ouvires, mesmo que nunca tenha chegado a pôr a carta no correio. Porque era tão sentido e tão magoado, tão distante, o que te dizia nessas cartas, que quase acreditei que tu não podias deixar de me ouvir." (ela)
"... tinha 36 anos, e lembro-me por isso mesmo, porque foi o ano da minha vida em que me senti mais novo. Nem aos 25, nem aos 21, nem aos 18. Foi aos 36 anos de idade que eu me senti eternamente jovem, quase imortal ou, mais arrepiante ainda, indiferente à própria ideia de morte."
"Tudo em ti, não apenas os teus absurdos 21 anos: a própria maneira um pouco estouvada de caminhares, como se ainda não tivesses aprendido bem a andar, a maneira de parares, virar a cabeça e sorrir por cima do ombro, os teus ares de menina pequenina que precisa de ser embalada e que alternavas com vãs tentativas de parecer mulher adulta e sábia."
"Quando se zangava, a Cláudia não discutia nem levantava a voz, nem sequer respondia. Fechava a cara com um ar triste e desaparecia. (..) Quando voltava, sorria outra vez e eu estava desarmado."
"Era impossível resistir ... ao riso da Cláudia: era infantil, cristalino, nada ainda o tinha desgastado. Cabia lá dentro toda a ilusão do mundo."
"A voz era musical e segura, ao contrário dela que parecia ainda não mais do que uma miúda. Mas não era infantil, longe disso: tinha, sim, trejeitos de criança, que, conforme o meu humor, ora a tornavam insuportável, ora irresistível. Juntava em si essa fabulosa combinação entre uma mulher sensual e uma criança desprotegida - a Marilyn que todos os homens desejam poder proteger um dia.
Ah, e falta dizer o mais importante: era generosa, aventureira, inconstante, doce de alma e de voz."
"A Cláudia sempre gostou de desaparecer, mas isso não significava, de modo algum, que as coisas lhe fossem indiferentes."
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